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A carência do salário-maternidade para Seguradas Especiais – Perspectivas após a ADI 2110
Foto: Freepik
Para abordar a carência no salário-maternidade das seguradas especiais, precisamos entender o conceito de carência no direito previdenciário e como ele se aplica, especialmente aos trabalhadores rurais. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2110 trouxe novos entendimentos que afetam diretamente essas trabalhadoras e o acesso a esse benefício.
O que é carência no direito previdenciário?
No direito previdenciário, a carência é o número mínimo de contribuições mensais que o segurado precisa realizar para ter direito a determinados benefícios, conforme estipulado pelo art. 24 da Lei 8.213/91. Esse conceito serve para assegurar que o segurado contribuiu de maneira contínua e regular por um período suficiente para justificar o recebimento de um benefício da Previdência Social.
Cada benefício exige uma carência específica. Exemplos incluem:
Aposentadoria por idade: mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos);
Auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença): mínimo de 12 contribuições mensais;
Salário-maternidade para seguradas contribuintes individuais e facultativas: mínimo de 10 contribuições mensais.
Em algumas situações, a lei dispensa o período de carência, como ocorre com os segurados especiais, e adapta o critério de contribuição às particularidades de suas atividades.
Quem são os segurados especiais e como funciona sua carência?
Os segurados especiais incluem trabalhadores rurais que atuam em regime de economia familiar, como agricultores, pescadores artesanais e seringueiros, que não utilizam mão de obra permanente. Esse grupo se enquadra em um regime de contribuição diferenciado devido às especificidades de sua atividade econômica, onde a renda pode ser irregular e sazonal.
Ao contrário dos segurados urbanos, que realizam contribuições mensais diretas ao INSS, os segurados especiais contribuem de forma indireta, com base na comercialização da sua produção. Como a contribuição direta mensal pode ser inviável, esses trabalhadores não precisam cumprir um número fixo de contribuições para acesso aos benefícios. Em vez disso, devem comprovar o tempo de atividade rural para ter acesso aos benefícios previdenciários.
Por exemplo:
Para se aposentar por idade, o segurado especial precisa comprovar 180 meses (15 anos) de atividade rural, em vez de um número específico de contribuições.
Essa forma de contagem do tempo de carência reconhece as particularidades do trabalho rural, respeitando a realidade econômica desse setor, onde a renda não é constante e a contribuição direta mensal não é viável.
O que o Supremo Tribunal Federal decidiu na ADI 2110?
A ADI 2110 questionou a imposição de carência para a concessão do salário-maternidade às seguradas especiais, entre outras questões. Em sua decisão de março de 2024, o STF declarou que a exigência de carência para o salário-maternidade nas seguradas contribuintes individuais e nas seguradas especiais, caso optem por contribuições facultativas e busquem um valor de benefício maior que o mínimo, viola o princípio da isonomia. A decisão foi publicada oficialmente em maio de 2024.
A decisão do STF foi fundamentada nos seguintes pontos:
Princípio da Isonomia: A exigência de carência para trabalhadoras autônomas presume, injustamente, a má-fé dessas seguradas. Essa interpretação diferenciada acaba por desconsiderar a importância de oferecer tratamento igualitário entre seguradas contribuinte individuais e as seguradas empregadas.
Direito ao Trabalho e à Maternidade: A imposição de carência pode dificultar o acesso ao mercado de trabalho para as mulheres e comprometer o direito da criança de ser cuidada pela mãe nos primeiros meses de vida.
Proteção Constitucional à Maternidade e à Criança: A decisão reforça o dever constitucional de proteger a maternidade e os direitos das crianças, conforme o art. 227 da Constituição Federal, garantindo às seguradas o acesso ao salário-maternidade sem entraves burocráticos injustificados. Importante notar que, para as seguradas especiais que não contribuem facultativamente e optam pelo benefício mínimo (um salário-mínimo), a decisão do STF confirmou que não se exige carência, mas sim comprovação de atividade rural.
E como o INSS vai aplicar a ADI 2110 para as seguradas especiais?
Embora a decisão da ADI 2110 tenha efeito imediato, a aplicação prática pelo INSS pode exigir ajustes operacionais e normativos. Isso inclui possíveis orientações específicas para que os sistemas e procedimentos se alinhem à nova jurisprudência.
Ainda que a decisão tenha mencionado as seguradas especiais que optam pela contribuição facultativa para buscar um benefício superior ao salário-mínimo, permanece uma questão importante: e as seguradas especiais que não fazem contribuições facultativas e solicitam o benefício básico? Será que elas terão que comprovar um período de atividade rural equivalente ao período de carência de 10 meses?
A decisão abre espaço para interpretação, mas é esperado que o INSS, ao atualizar sua regulamentação, evite impor uma exigência mais restritiva para essas seguradas especiais. Afinal, seria incoerente que apenas elas tivessem que comprovar um período específico de atividade rural, enquanto as demais seguradas têm o benefício garantido sem carência mínima de contribuições mensais.
Um marco na proteção às seguradas especiais
A decisão do STF na ADI 2110 representa um avanço significativo na defesa dos direitos das seguradas especiais e na busca por tratamento justo e igualitário no acesso ao salário-maternidade. Aguardamos agora a adaptação do INSS para implementar a decisão de forma clara e efetiva, garantindo que a legislação previdenciária esteja alinhada com a realidade das trabalhadoras rurais e que não haja discriminação no acesso ao benefício.
Essa mudança beneficia não só as trabalhadoras, mas também reforça a proteção constitucional à maternidade e aos direitos das crianças no Brasil.
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